Pagar para me cortarem o cabelo é um conceito relativamente novo para mim. Até há alguns anos eu recebia sempre que me cortavam o cabelo.
Desde que me lembro, o meu avô foi barbeiro, e dava-me sempre qualquer coisa quando lá ia. Ao início uns tostões, depois uns poucos escudos e por aí adiante aumentando com a inflação ou com a minha idade, conforme a que andasse mais depressa.
Lembro-me de ainda não ter chegado à barbearia e já na rua se escutava o som da tesoura que não parava nas suas mãos. Era sinal que “tinha gente”. Eu ia ter de esperar…
Homem de poucas palavras, não deixava no entanto passar muito tempo depois da minha chegada para começar a assobiar à porta da barbearia ou nos fundos da mesma, junto a umas velhas e já inutilizadas escadas que em tempos tinham dado acesso ao primeiro andar. Era o sinal para a minha avó descer para ver o neto.
Embora aparentasse ser uma pessoa fria, o seu sorriso reflectido no espelho da barbearia traia-o, naqueles momentos em que lhe dizia que tinha passado num qualquer exame da escola, ou quando na minha juventude teimava com ele para me deixar o cabelo mais comprido.
Mais ou menos na mesma altura em que comecei a ter barba relativamente digna desse nome, que ele cortava com uma navalha, passando depois com um pouco de álcool que quase me fazia saltar da cadeira, a idade começou a tremer nas suas mãos.
Antes tão firmes, tremiam agora de uma forma que começou a fazer escassear os clientes, resistindo apenas os “habituais”, entre os quais eu, que tinha dificuldade em disfarçar o meu fascínio com a forma como aquela tremedeira toda parava como por magia, quando a mão se dispunha a dar uma tesourada no cabelo, ou uma “escanhoadela” na barba.
Os anos passaram e com o início da minha vida profissional, comecei a sentir algum embaraço quando chegava o momento de ele me chamar “à parte” para me dar a “notita”. Começou a não fazer muito sentido. Afinal eu já “ganhava o meu”!
Um dia disse-lhe que não queria. Que não precisava e que já tinha dinheiro…
A mágoa que nesse momento lhe encheu os olhos fez-me perceber que afinal eu tinha desde sempre entendido aquilo ao contrário. Afinal, naquele gesto havia algo muito mais importante. Havia a discreta alegria de dar algo a um neto. A alegria de ser avô.
Nesse dia aprendi que para ele eu seria sempre o “João Carlitos”. E que por trás daquela maneira de ser aparentemente distante, havia muito mais sentimento do que se poderia pensar.
Trabalhou até não poder mais. Até as pernas já não suportarem o seu próprio peso. Foi hoje para a sua última morada.
Adeus “Avô Chico”!
Deixas saudades…


